De retorno ao dia-a-dia, aconteceu-me um fato simplório, mas que a gente necessita guardar e eu divido com vocês. Eu viajo sempre nos maravilhosos ônibus que a Águia Branca mantêm pelas estradas do Brasil, o ir e o vir dos brasileiros. É delicioso ver o verde e meditar. Retornando, em uma das cidades por onde o ônibus passa, novos passageiros adentraram. Era noite, e passou por mim uma senhora com um tabuleiro com crianças. Não me dei conta. Ao ir ao sanitário, ela tinha deitado uma das crianças no corredor do ônibus. Fui sintomático, não pensei duas vezes e disse para ela que colocasse a criança em minha cadeira. Eu sempre estou com disponibilidade de duas poltronas na frente. Quando retornei do sanitário, disse a ela para colocar a criança na cadeira ao meu lado. Cobri o menino com uma toalha, e ele se dobrou numa posição fetal. Sombras me passaram pela cabeça e pelo coração. Eu e aquela criança ali. Não dormi. Velei aquele anjo ao meu lado. Quando o ônibus parou em certa cidade, ela veio buscar o menino, com outro dentro da cesta. Era uma simpática senhora. E eu disse a ela: "Me dê ele para mim". Ela ficou sorrindo e foi embora com as crianças. Lembrei-me de uma música de Ângela Maria, "Angelitos negros", dos compositores Manoel Alvarez Maciste e Eloy Blanco:
Pintor, se pintas com amor,
Porque desprezas os de cor,
Se os brancos e os negros,
São filhos de um só Deus.
Quanto pintares igrejas,
Se és um homem de bem,
Pintas igualmente a todos,
Não te esqueças de ninguém.
O anjo na minha noite no ônibus da Águia Branca.
